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sexta-feira, 27 de maio de 2011

VILLA-LOBOS

Minha família mudou-se um sem-número de vezes. Meu pai era garçom do Copacabana Palace e estava decidido a comprar sua casa própria. Nós íamos aos pulos: seis meses aqui, um ano ali, oito meses acolá. Assim, passamos por bairros tão diversos como o Meyer, Ipanema, Vila Isabel ou Copacabana; mas volta e meia estávamos em Botafogo. Eu nasci na Policlínica de Botafogo quando meus pais moravam numa vila da Rua Real Grandeza, já prevendo o fenômeno. Por outro lado isto era um desafio para a minha adaptação. Toda hora eu trocava de escola; os livros, professores, colegas, métodos eram outros. Vindo da Escola Argentina, onde tínhamos de cantar o hino dos hermanos todos os dias, vim parar na Escola Joaquim Nabuco; segundo a tradição, onde se entra burro e sai maluco. Ali tive três anos de estabilidade. E também conheci a ultra-super-duper-rigorosa professora de Matemática, dona Joana e seus cem problemas por dia. Seu bordão era “falta de brio!” com que aterrorizava os alunos. Tínhamos aula de canto onde aprendemos a manossolfa, método de canto orfeônico inventado pelo nosso focalizado Heitor Villa-Lobos.
 www.youtube.com/watch?v=tSVCmMA1AoQ&feature=related
Eu tinha uma vozinha bem afinada e fui escalado para a primeira voz, a que puxava o “Oh Tupã, Deus do Brasil”. A harmonia ministrada pela dona Terezinha previa quatro vozes. A segunda voz dizia “Oh Anhangá fugiu, fugiu he-he”, a terceira marcava o baixo “Tum-tararã-tum-tum” e a quarta fazia uma espécie de tarol “Tum-tarará-titá-titá”. Todos nós formávamos no pátio para cantar um monte de hinos, desde Fibra de Herói ao Hino Nacional Brasileiro, o Cisne Branco, Hino à Bandeira, Hino da Independência (que tinha uma versão maluca: “Japonês tem quatro filhos”). Hino da República e a valsinha Criança Feliz. Era um baita repertório!
 www.youtube.com/watch?v=IIK0nea1CT4
Certa vez eu fui procurar o Paulinho da Viola atrás de um disco da Banda de Pau e Corda, e ele me surpreendeu ao me reconhecer. Tínhamos estudado na mesma sala e “sofrido” o rigor da dona Joana. Mas não se lembrava de um evento notável. Nossa turma tinha sido escolhida junto com uma centena do outras para um concerto do fim de ano (1952), no Theatro Municipal. Milhares de alunos entoariam o Canto do Pajé, e seriam regidos pelo próprio Villa-Lobos. Eu me lembro bem dele, perturbado com o zunzum dos mal-treinados escolares. Eu estava bem quietinho, assombrado com a magnificência do templo. Minha escola ficou de pé, no flanco direito, mas eu já estava acostumado com longos períodos de formação. Quer dizer, eu fui “regido” pelo mestre, e o Paulinho também.
Minha mãe tinha cantado no rádio por um breve período, até que os meus tios a tivessem arrancado dos palcos “da perdição”. A trilha sonora da minha casa era um repertório de sambas e sambas-canções, especialmente do favorito de dona Sylvia, Noel Rosa. Eu vivia cercado de música! Portanto, este breve encontro com o genial Villa foi uma das minhas bênçãos da infância.
Com o tempo, fui me surpreendendo a cada obra do mestre que conhecia, através dos LPs e depois os CDs. Acabei adquirindo sua obra completa. Ou quase.
É impossível selecionar os destaques dentro de suas composições; portanto vou apenas citar algumas músicas favoritas. Vamos começar com a Melodia Sentimental com a interpretação da Olivia Byington.
 www.youtube.com/watch?v=jWuHcBVFEBI&feature=related
Esta interpretação do Trenzinho do Caipira, sob a regência do nosso herói moderno João Carlos Martins, traz uma plêiade de ruídos muito intrigante!
 www.youtube.com/watch?v=IOO-s3wwDBY
A TV Tupi abria suas transmissões com este coro indígena, o Pica-pau, dos Choros número 3. Aqui o maestro John Neschling rege a Sinfônica de São Paulo:
 www.youtube.com/watch?v=G9rzMZyCfFc Agora admirem John Williams interpretando o Prelúdio 1:
 www.youtube.com/watch?v=IcNi-5moPe4 E esta jóia de brasilidade que é o Prelúdio 2?
 www.youtube.com/watch?v=6znv2BRzu4U&feature=related David Russell coloca a alma no violão para interpretar os Choros número 1:
 www.youtube.com/watch?v=jAg8VHuXNKU&feature=related
Muitos colegas da Faculdade de Arquitetura abraçaram a música, como o parceiro querido Edmundo Souto e o admirável Turíbio Santos, que até foi diretor do nosso Diretório Acadêmico, e depois geriu o Museu Villa-Lobos (Onde? Em Botafogo). Escolhemos esta gavota graciosa:
 www.youtube.com/watch?v=uc3LWp1ebU4&feature=fvsr
Villa-Lobos era, além de tudo, um vidente. Ele previa que o acervo brasileiro estava destinado ao esquecimento... E registrou tudo! As cantigas de roda, por exemplo:
 www.youtube.com/watch?v=MC7nke1I7gc
A primeira vez que ouvi as Bachianas Brasileiras 5 foi tipo bateu-valeu. E foi logo com a Victoria de Los Angeles... Foi esta obra que nos presenteou com o violoncelista britânico David Chew, que formou família na casa bem em frente do amigo Noilton Nunes, pertinho da Escola Joaquim Nabuco. Ele se apaixonou pela obra do Villa e foi ficando!
 www.youtube.com/watch?v=RPWmBtFJVzQ
E temos o misterioso Uirapuru, com a Orquestra Nacional da França, regência do Roberto Minczuk. Vai em dois arquivos:
 www.youtube.com/watch?v=agfltKTk_3U  

www.youtube.com/watch?v=w9yPI0bYwKM&feature=related  
Esta Invocação em Defesa da Pátria arrepia todos os pelos de qualquer brasileiro que se preze:
 www.youtube.com/watch?v=Dls3j1BbEtc&feature=related
Ai! E esta Valsa da Dor? Parece carregar todo o sofrimento do povo brasileiro. No piano, Paulo Brasil.
 www.youtube.com/watch?v=ooq3vubK9jU&feature=related
O amor por Villa-Lobos começa cedo, lá pelas quatro da manhã. Confira esta rápida interpretação da Bruxa e do Polichinelo, por Aaron Kurz:
 www.youtube.com/watch?v=_tJbaGdoLeA&NR=1
Aqui Nelson Freire carrega nas cores a Dança do Índio Branco, que nós, todos brasileiros, somos de nascença.
 www.youtube.com/watch?v=M95k3bhIYM8
Anatoli Krastev e Yovcho Krushev (nenhuma relação com o rotundo soviético) mostram que Villa viaja com facilidade aos remotos cantos do planeta, como a Turquia, por exemplo. Esta peça foi lindamente animada pelo amado Antonio Moreno na segunda parte de Reflexos, feito em parceria com este que vos fala.

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